Meio campista
Atleta indígena Ivanete Xerente contratada pelo Ferroviária (SP) diz que sonha jogar pela seleção de futebol
Meta: sonho a realizar. Foco: caminho para alcançar uma conquista. Movida por estes dois substantivos, encontramos Ivanete Brupahi Xerente, 16 anos, a primeira indígena do Brasil a assinar um contrato profissional no futebol feminino no País.
Ela, que é natural da aldeia Cachoeira, no município de Tocantínia, foi descoberta por um observador desportista da equipe do Ferroviária, de São Paulo, quando representava o Tocantins no Campeonato Brasileiro Escolar de Futebol Feminino, realizado em Palmas.
A partir deste encontro profissional, a representante dos povos indígenas, como a própria atleta se define, como um verdadeiro condor, alçou voo e assinou o seu primeiro contrato profissional por um período de 5 anos com a equipe de futebol paulistana.
Ocupando a posição de meio-campo, sabedora que tem a função de ligar a defesa ao ataque durante os 90 minutos de partida e impedir golpes de adversários, a atleta conversou com uma segurança impressionante, com a equipe de reportagem do Portal Araguaína Urgente, direto de São Paulo.
Primeiro contrato
Ela contou como se sentiu ao saber que seria contratada para jogar na equipe do Ferroviária. “Estou muito feliz, mas primeiramente quero agradecer a Deus por este momento que estou vivendo. Quem trabalha, Deus ajuda e eu tenho certeza de que fiz isso. Trabalhei bastante lá atrás, tive foco e enfrentei obstáculos para superar os sacrifícios. O primeiro deles foi deixar a família para trás com apenas 15 anos. Vivi longe deles e ainda vivo. Morei um ano e três meses em Araguaína onde minha história teve início”, contou.
Onde começou
Ivanete Xerente contou que tudo começou em Araguaína. “Comecei a estudar no Colégio Estadual Guilherme Dourado e de lá tive a oportunidade de jogar no Campeonato Brasileiro Escolar de Futebol Feminino, em Palmas, e o pessoal do Ferroviária me viu e me contratou por uma temporada de cinco anos. Estou muito orgulhosa em saber que sou a primeira indígena no Brasil a se profissionalizar no futebol. É um orgulho para mim representar no mundo do futebol meus povos indígenas”, enfatizou.
Ela acrescentou: “Eu saí da minha aldeia para viver o meu sonho. Eu nasci já sonhando em ser jogadora. Tive que sair da zona de conforto para ir atrás dos meus sonhos. Foi difícil tomar esta decisão por causa da minha família. No começo fiquei meio intranquila, por conta que era a primeira vez que eu saia. Mas foi dando tudo certo, graças a Deus. Jogando na equipe 100 Limites de Araguaína, um projeto que conta com o apoio do governo do Tocantins, comecei a me destacar, meu nome começou a aparecer. Fui descoberta pela equipe do Ferroviária e não pensei duas vezes, abracei a proposta e hoje estou aqui”, disse.
Apenas o começo
Sem pretensão jovial, a atleta foi convicta ao afirmar: “Eu creio que esta contratação é apenas o começo de um grande sonho, de grandes realizações. Muita coisa está por vir. Eu espero, futuramente, representar bem os meus povos, ajudar a minha família e crescer mais no mundo do futebol; ser vista e ser destacada”, revelou.
Guerreiras Grenás
As jogadoras do Ferroviária receberam da imprensa araraquarense o apelido carinhoso de Guerreiras Grenás, uma alusão ao espírito de luta das atletas dentro de campo. Agora, como integrante da equipe, Ivanete Xerente contou o que pretende fazer após o contrato findar.
“Para estes cinco anos, eu coloquei a minha meta. Tenho sonho e vou trabalhar para isso. Deus está comigo em todos os momentos. Eu tenho o sonho de jogar na seleção de futebol e fazer o melhor que o futebol feminino puder oferecer. Quero estar dentro de todos os momentos bons. Sei que o futebol tem também momentos difíceis, mas vou trabalhar para
viver bons momentos durantes estes cinco anos”, enfatizando que, jogando em uma equipe oficial de futebol, abre as portas para outras mulheres indígenas.
Rotina de trabalho
Questionada sobre a sua rotina diária, mas, principalmente, a de trabalho, a atleta foi cautelosa e disse apenas: “O trabalho profissional é diferente. Mudou tudo. Tenho que começar do zero de novo. É outra rotina, são outras pessoas, outros lugares. Creio que não será tão complicado assim, já estou acostumada, já morei em alojamento, já morei longe da minha família. Então acho que não será tão complicado”, afirmou.
Primeiro treinador
Em uma belíssima viagem no túnel do tempo, o pai da atleta, o cacique Paulo Cesar Wawēkrurê Xerente, também conversou com a equipe do Portal Araguaína Urgente e revelou que Ivonete foi destaque no futebol desde quando morava na terra indígena do funil município de Tocantínia.
“Ela começou a jogar futebol na aldeia, no campinho de chão batido, cheio de buracos e com lama. Ela sempre se destacou no meio das outras meninas ou das adultas. As habilidades dela chamavam atenção de outros times das aldeias. Ela fazia muita diferença nas equipes. Então eu passei a incentivá-la e via no olhar dela que queria algo maior no mundo do futebol, passei então a treiná-la em casa, no terreiro, no campinho”, revelou.
Segredo de pai e filha
O cacique confidenciou que certa vez Ivanete o fez, sem que a mãe dela soubesse, ajudá-la a sair escondida para jogar um torneio de futebol numa distância de 90 km. “A mãe dela não apoiava no início, por isso que a gente saia escondido. Ela só ganhava. Às vezes não tinha combustível na moto para gente voltar. Às vezes a gente chegava em casa fora de hora. Nada disso importava, ela só queria jogar, mostrar o talento e a diferença dentro do campo” contou.
Paulo César relatou ainda que o destaque da filha em campo fez com que o time do município a chamasse para fazer parte da equipe. “Era o time não indígena no campeonato municipal de futsal no qual ela foi artilheira com 16 gols”, lembrou.
De acordo com ele, a atleta foi apresentada pelo secretário do Esporte de Tocantínia, Adalton Pereira de Oliveira, para o, então, secretário executivo da Secretaria dos Esportes e Juventude, o vereador de Araguaína Fraudneis Fiomare. “Foi quando ela foi convidada para fazer parte da equipe 100 Limite de futebol feminino”, contou.
“Na equipe 100 Limite ela fez uma história linda de muitas conquistas nas competições. Ela foi eleita três vezes a melhor jogadora, foi lá que ela aprendeu muitas jogadas fundamentais do futebol com toda comissão técnica ajudando”, revelou orgulhoso.
Conquistar um sonho
O cacique contou como se sentiu quando Ivanete saiu de casa para ser jogadora de futebol. “O sentimento de, quando ela saiu de casa em busca de um sonho de criança, foi um sentimento de alegria e preocupação ao mesmo tempo. Mas eu já sabia que ela era uma menina forte, guerreira, humilde e sempre acreditou no projeto que Deus tinha para ela. Quem sofreu mais com a saída dela foi a mãe. Agora ela está tranquila, conformada e confiante”, disse.
Ele também contou do sentimento quando a atleta foi integrar a equipe do Ferroviária. “O meu sentimento quando ela foi chamada para compor a equipe de uma das melhores base de futebol feminino do Brasil, o Ferroviária, foi de uma felicidade inexplicável, não acreditei, achei que eu estava sonhando, eu me perguntava sozinho se era de verdade. Sabe o sentimento de um pai que sempre sonhou acordado? Chorei bastante de alegria, agradecendo a Deus por tudo que estava passando na nossa família, e nossa comunidade Xerente abraçou com todo amor essa conquista”, contou, afirmando: “não tenho dúvida de que ela vai honrar esse contrato, defender com dentes e unhas nas 4 linhas”, disse.
O cacique deixou um recado para a filha: “Que minha filha lembre sempre dos meus conselhos: respeitar o próximo, estender as mãos para outros, ser humilde, simplicidade, manter distância das pessoas que não somam na sua vida, ter fé, ter esperança e sempre ter Deus no seu coração. Trabalhar forte, focada e ter disciplina. Se dedicar dias após dias e o resultado virá, pois, mais cedo ou mais tarde, o sonho dela vai se realizar. Ela vai vestir o verde e amarelo, as cores do Brasil”, finalizou o pai orgulhoso.
(Da Redação)
(Fotos: arquivo pessoal)
Matéria altualizada as 09h57 22/05/2023